Epidemia Demoníaca na Sabóia – Publicado em : Revista Espírita – sob a direção de ALLAN KARDEC – (1862)
Algum tempo atrás os jornais falaram de uma monomania epidêmica que se manifestou numa parte da Alta Sabóia e contra a qual falharam todos os socorros da medicina e da religião. O único meio que produziu resultados mais ou menos satisfatórios foi a dispersão dos indivíduos em diferentes cidades.
A respeito, recebemos do capitão B…, membro da Sociedade Espírita de Paris, atualmente em Annecy, a seguinte carta:
“Annecy, 7 de março de 1862.
“Senhor Presidente,
“Querendo ser útil à Sociedade, tenho a honra de vos remeter uma brochura que me foi enviada por um de meus amigos, o Dr. Caille, encarregado pelo Ministro de acompanhar o inquérito feito pelo Sr. Constant, inspetor das casas de alienados sobre os casos muito numerosos de demonomania, observados na comuna de Morzine, distrito de Thonon (Haute-Savoie).
Até hoje, esta infeliz população se acha sob a influência da obsessão, apesar dos exorcismos, dos tratamentos médicos, das medidas tomadas pelas autoridades e dos internamentos nos hospitais do Departamento.
Os casos diminuíram um pouco mas não cessaram, permanecendo o mal, por assim dizer, em estado latente. Querendo exorcizar esses infelizes, na maioria crianças, o cura mandou trazê-las à igreja, conduzidas por homens vigorosos. Mal havia pronunciado as primeiras palavras latinas, produziu-se uma cena horrorosa: gritos, saltos furiosos, convulsões, etc., a tal ponto que mandaram buscar os soldados e uma companhia de infantaria para restabelecer a ordem.
“Não consegui obter todas as informações que gostaria de poder vos dar hoje, mas os fatos me parecem bastante graves para merecerem vosso exame. O Dr. Arthaud, de Lyon, médico alienista, leu o relatório da Sociedade médica desta cidade, o qual foi publicado pela Gazette médicale de Lyon e que podereis obter
através de vosso correspondente.
No hospital desta cidade temos duas mulheres de Morzine que estão em tratamento. O Dr. Caille concluiu por uma afecção nervosa epidêmica, que escapa a toda espécie de tratamento e de exorcismo. Só o isolamento produziu bons resultados. Durante as crises, todos esses infelizes obsedados pronunciam palavras obscenas; dão saltos prodigiosos por cima das mesas, trepam em árvores, nos telhados e, às vezes, profetizam.
“Se esses fatos se apresentaram nos séculos dezesseis e dezessete, nos conventos e nos campos, não é menos certo que no nosso século dezenove eles oferecem, a nós, espíritas, um assunto de estudo, do ponto de vista da obsessão epidêmica, generalizandose e persistindo durante anos, pois há cerca de cinco anos que o primeiro caso foi observado.
“Terei a honra de vos enviar todos os documentos e informações que puder obter.
“Aceitai, etc. B…”
As duas comunicações que se seguem nos foram dadas sobre o assunto, na Sociedade Espírita de Paris, por nossos Espíritos habituais.
“Não são médicos, mas magnetizadores, espiritualistas ou espíritas que deveriam ser mandados para dissipar a legião de Espíritos malvados, extraviados no vosso planeta. Digo extraviados porque eles apenas passarão. Mas por muito tempo ainda, a infeliz população sofrerá do ponto de vista moral e físico. Onde está o remédio? perguntais.
Surgirá do mal, porque os homens, aterrorizados por essas manifestações, acolherão com êxtase o contato benéfico dos Espíritos bons que os sucederão, como a aurora sucede à noite. Essa pobre população, ignorante de qualquer trabalho intelectual, teria desconhecido as comunicações inteligentes dos Espíritos ou, antes, nem mesmo as teria percebido.
A iniciação e os males provocados por essa turba impura abrem olhos fechados, e as desordens, os atos de demência não passam de um prelúdio de iniciação, porquanto todos devem participar da grande luz espírita. Não vos escandalizeis por essa maneira cruel de proceder: tudo tem um fim e os sofrimentos devem fecundar, como fazem as tempestades, que destroem a colheita de uma região, enquanto fertilizam outras.
Georges (Médium: Sra. Costel)
“Os casos de demonomania que agora ocorrem na Sabóia também já ocorreram em muitos outros países, notadamente na Alemanha, mas principalmente no Oriente. Esse fato anormal é mais característico do que pensais.
Com efeito, ao observador atento revela uma situação análoga à que se manifestou nos derradeiros anos do paganismo. Ninguém ignora que quando o Cristo, nosso muito amado Mestre, encarnou na Judéia, sob os traços do carpinteiro Jesus, aquela região havia sido invadida por legiões de Espíritos malévolos que, como hoje, se apoderaram, pela possessão, das classes sociais mais ignorantes, dos Espíritos encarnados mais fracos e menos adiantados, numa palavra, dos indivíduos que guardavam os rebanhos ou vagavam nas ocupações da vida rural. Não percebeis uma grande analogia entre a reprodução desses fenômenos idênticos de possessão?
Ah! nisso existe um ensinamento muito profundo! e disso deveis concluir que os tempos preditos se aproximam cada vez mais e que o Filho do Homem em breve virá expulsar novamente essa turba de Espíritos impuros que se abateram sobre a Terra, e reavivar a fé cristã, dando a sua alta e divina sanção às revelações consoladoras e aos ensinamentos regeneradores do Espiritismo.
Voltando aos casos atuais de demonomania, é preciso lembrar que os sábios, que os médicos do século de Augusto trataram, conforme os processos hipocráticos, os infelizes possessos da Palestina, e que toda a sua ciência se aniquilou ante esse poder desconhecido.
Pois bem! ainda hoje todos os vossos inspetores de epidemias, todos os vossos mais distintos alienistas, sábios doutores em materialismo puro, fracassam do mesmo modo ante essa doença exclusivamente moral, diante dessa epidemia puramente espiritual. Mas que importa, meus amigos! vós, que fostes tocados pela graça nova, sabeis quanto esses males passageiros são curáveis pelos que têm fé. Esperai, pois, com confiança, a vinda daquele que já resgatou a Humanidade. A hora se aproxima; o Espírito precursor já está encarnado. Logo veremos o desenvolvimento completo desta doutrina, que tomou por divisa: “Fora da caridade não há salvação.”
Erasto (Médium: Sr. d’Ambel)
Devemos concluir, do que precede, que não se trata de uma afecção orgânica, mas, sim, de uma influência oculta.
Custa-nos tanto menos crer, quanto temos tido numerosos casos idênticos isolados, devidos à mesma causa; e o que o prova é que os meios ensinados pelo Espiritismo foram suficientes para fazer cessar a obsessão. Está demonstrado pela experiência que os Espíritos mal-intencionados não só agem sobre o pensamento, mas, também, sobre o corpo, com o qual se identificam e do qual se servem como se fosse o seu; que provocam atos ridículos, gritos, movimentos desordenados que apresentam todas as aparências da loucura ou da monomania. Encontrar-se-á sua explicação em o nosso O Livro dos Médiuns, no capítulo da obsessão, e num próximo artigo citaremos vários fatos que o demonstram de maneira incontestável. Com efeito, é bem uma espécie de loucura, uma vez que se pode dar este nome a todo estado anormal, em que o Espírito não age livremente. Deste ponto de vista, é uma verdadeira loucura acidental.
Faz-se, pois, necessário distinguir a loucura patológica da loucura obsessiva. A primeira resulta de uma desordem nos órgãos da manifestação do pensamento. Notemos que, nesse estado de coisas, não é o Espírito que é louco; ele conserva a plenitude de suas faculdades, como o demonstra a observação; apenas estando desorganizado o instrumento de que se serve para manifestar-se, o pensamento, ou, melhor dizendo, a expressão do pensamento é incoerente.
Na loucura obsessiva não há lesão orgânica; é o próprio Espírito que se acha afetado pela subjugação de um Espírito estranho, que o domina e subjuga. No primeiro caso, deve-se tentar curar o órgão enfermo; no segundo basta livrar o Espírito doente do hóspede importuno, a fim de lhe restituir a liberdade. Casos
semelhantes são muito freqüentes e muitas vezes tomados como loucura o que não passa de obsessão, para a qual deveriam empregar meios morais e não duchas. Pelo tratamento físico e, sobretudo, pelo contato com os verdadeiros alienados, muitas vezes tem sido determinada uma verdadeira loucura onde esta não existia.
Abrindo novos horizontes a todas as ciências, o Espiritismo vem, também, elucidar a questão tão obscura das doenças mentais, ao assinalar-lhes uma causa que, até hoje, não havia sido levada em consideração – causa real, evidente, provada pela experiência e cuja verdade mais tarde será reconhecida. Mas como fazer que tal causa seja admitida por aqueles que estão sempre dispostos a enviar ao hospício quem quer que tenha a fraqueza de crer que temos uma alma e que esta desempenha um papel nas funções vitais, sobrevive ao corpo e pode atuar sobre os vivos? Graças a Deus, e para o bem da Humanidade, as idéias
espíritas fazem mais progresso entre os médicos do que se podia esperar e tudo faz prever que, num futuro não muito remoto, a Medicina saia finalmente da rotina materialista.
Estando provados alguns casos isolados de obsessão física ou de subjugação, fácil é compreender que, semelhante a uma nuvem de gafanhotos, um bando de Espíritos malfazejos pode
lançar-se sobre um certo número de indivíduos, deles se apoderar e produzir uma espécie de epidemia moral. A ignorância, a fraqueza das faculdades, a ausência de cultura intelectual naturalmente lhes facultam maior influência. É por isso que eles prejudicam, de preferência, certas classes, embora as pessoas inteligentes e instruídas nem sempre estejam isentas. Como diz Erasto, foi provavelmente uma epidemia desse gênero que imperou no tempo do Cristo, tantas vezes mencionada no Evangelho. Mas por que só a sua palavra bastava para expulsar os chamados demônios?
Isto prova que o mal não podia ser curado senão por uma influência moral. Ora, quem pode negar a influência moral do Cristo?
Entretanto – dirão – não empregaram o exorcismo, que é uma espécie de remédio moral, e nada foi obtido? Se nada produziu é que o remédio nada vale e que se deve buscar outro: isto é evidente.
Estudai o Espiritismo e compreendereis a razão. Somente o Espiritismo, assinalando a verdadeira causa do mal, pode dar os meios de combater os flagelos dessa natureza. Mas quando dizemos para estudá-lo, entendemos por isto um estudo sério, e não na esperança de nele encontrar uma receita banal, para uso do primeiro que aparecer.
O que acontece na Sabóia, chamando a atenção, possivelmente apressará o momento em que será reconhecida a parte de ação do mundo invisível nos fenômenos da Natureza.
Uma vez entrando neste caminho, a Ciência possuirá a chave de muitos mistérios e verá cair a mais formidável barreira que detém o progresso: o materialismo, que restringe o círculo da observação,
em vez de o ampliar.
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