Senhor, que quereis que eu faça? – Livro Paulo e Estevão (Emmanuel & Chico Xavier) Atormentado pelas indagações profundas que lhe assoberbavam a mente, pareceu despertar de um grande pesadelo. Devia ser meio­dia. Muito distante ainda, a paisagem de Damasco apresentava os seus contornos: pomares espessos, cúpulas cinzentas que se esboçavam ao longe. Bem montado, evidenciando o aprumo de um homem habituado aos prazeres do esporte, Saulo ia à frente, em atitude dominadora.

Em dado instante, todavia, quando mal despertara das angustiosas cogitações, sente­ se envolvido por luzes diferentes da tonalidade solar. Tem a impressão de que o ar se fende como uma cortina, sob pressão invisível e poderosa. Intimamente, considera­se presa de inesperada vertigem após o esforço mental, persistente e doloroso. Quer voltar­se, pedir o socorro dos companheiros, mas não os vê, apesar
da possibilidade de suplicar o auxílio. — Jacob!… Demétrio!… Socorram­me!… — grita desesperadamente.

Mas a confusão dos sentidos lhe tira a noção de equilíbrio e tomba do animal, ao desamparo, sobre a areia ardente. A visão, no entanto, parece dilatar­se ao infinito. Outra luz lhe banha os olhos deslumbrados, e no caminho, que a atmosfera rasgada lhe desvenda, vê surgir a figura de um homem de majestática beleza, dando­lhe a impressão de que descia do céu ao seu encontro.

Sua túnica era feita de pontos luminosos, os cabelos tocavam nos ombros, à nazarena, os olhos magnéticos, imanados de simpatia e de amor, iluminando a fisionomia grave e terna, onde pairava uma divina tristeza. O doutor de Tarso contemplava­o com espanto profundo, e foi quando, numa inflexão de voz inesquecível, o desconhecido se fez ouvir:

— Saulo!… Saulo!… Por que me persegues?
O moço tarsense não sabia que estava instintiva­mente de joelhos. Sem poder definir o que se passava, comprimiu o coração numa atitude desesperada.
Incoercível sentimento de veneração apossou­se inteiramente dele. Que significava aquilo? De quem o vulto divino que entrevia no painel do firmamento aberto e cuja presença lhe inundava o coração precípite de emoções desconhecidas?
Enquanto os companheiros cercavam o jovem genuflexo, sem nada ouvirem nem verem, não obstante haverem percebido, a princípio, uma grande luz no alto, Saulo interrogava em voz trêmula e receosa: — Quem sois vós, Senhor?
Aureolado de uma luz balsâmica e num tom de inconcebível doçura, o
Senhor respondeu:
— Eu sou Jesus!…

Então, viu­se o orgulhoso e inflexível doutor da Lei curvar­se para o solo, em pranto convulsivo. Dir­se­ia que o apaixonado rabino de Jerusalém fora ferido de morte, experimentando num momento a derrocada de todos os princípios que lhe conformaram o espírito e o nortearam, até então, na vida.

Diante dos olhos tinha, agora, e assim, aquele Cristo magnânimo e incompreendido! Os pregadores do “Caminho” não estavam iludidos! A palavra de Estevão era a verdade pura! A crença de Abigail era a senda real. Aquele era o Messias!

A história maravilhosa da sua ressurreição não era um recurso lendário para fortificar as energias do povo. Sim, ele, Saulo, via­o ali no esplendor de suas glórias divinas!
E que amor deveria animar­lhe o coração cheio de augusta misericórdia, para vir encontrá­lo nas estradas desertas, a ele, Saulo, que se arvorara em perseguidor implacável dos discípulos mais fiéis!…

Na expressão de sinceridade da sua alma ardente, considerou tudo isso na fugacidade de um minuto. Experimentou invencível vergonha do seu passado cruel. Uma torrente de lágrimas impetuosas lavava­lhe o coração. Quis falar, penitenciar­se, clamar suas infindas desilusões, protestar fidelidade e dedicação ao Messias de Nazaré, mas a contrição sincera do espírito arrependido e dilacerado embargava­lhe a voz. Foi quando notou que Jesus se aproximava e, contemplando­o carinhosamente, o Mestre tocou­lhe os ombros com ternura, dizendo com inflexão paternal:

— Não recalcitres contra os aguilhões!… Saulo compreendeu. Desde o primeiro encontro com Estevão, forças profundas o compeliam a cada momento, e em qualquer parte, à meditação dos novos ensinamentos.

O Cristo chamara­o por todos os meios e de todos os modos. Sem que pudessem entender a grandeza divina daquele instante, os companheiros de viagem viram­no chorar mais copiosamente. O moço de Tarso soluçava. Ante a expressão doce e persuasiva do Messias Nazareno, considerava o tempo perdido em caminhos escabrosos e ingratos. Doravante necessitava reformar o patrimônio dos pensamentos mais íntimos; a Visão de Jesus ressuscitado, aos seus olhos mortais, renovava­lhe integralmente as concepções religiosas.

Certo, o Salvador apiedara­se do seu coração leal e sincero, consagrado ao serviço da Lei, e descera da sua glória estendendo­lhe as mãos divinas.

Ele, Saulo, era a ovelha perdida no resvaladouro das teorias escaldantes e destruidoras. Jesus era o Pastor amigo que se dignava fechar os olhos para os espinheiros ingratos, a fim de salvá­lo carinhosamente. Num ápice, o jovem rabino considerou a extensão daquele gesto de amor. As lágrimas brotaram­lhe do coração
amargurado, como a linfa pura, de uma fonte desconhecida.

Ali mesmo, no santuário augusto do espírito, fez o protesto de entregar­se a Jesus para sempre. Recordou, de súbito, as provações rígidas e dolorosas. A ideia de um lar morrera com Abigail. Sentia­se só e acabrunhado. Doravante, porém, entregar­se­ia ao Cristo, como simples escravo do seu amor.
E tudo envidaria para provar­lhe que sabia compreender o seu sacrifício, amparando­o na senda escura das iniquidades humanas, naquele instante decisivo do seu destino. Banhado em pranto, como nunca lhe acontecera na vida, fez, ali mesmo, sob o olhar assombrado dos companheiros e ao calor escaldante do meio­dia, a sua primeira profissão de fé.

— Senhor, que quereis que eu faça?

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